“A gente pode delegar a nossa memória para as máquinas, o que é uma coisa fantástica. Heródoto provavelmente escreveu a sua obra de memória. Ele tinha que lembrar o que conversava, histórias que ouvia e depois anotava. Tinha uma memória prodigiosa. Hoje a gente não sabe o número do telefone do próprio irmão. Então as máquinas também vão ocupando a nossa função de memória. Tudo isso, claro, facilita e, ao mesmo tempo, cria outras necessidades.” (p. 203)
” Hoje, existe uma ebulição utópica em torno da internet e em torno das novas tecnologias digitais, como se elas trouxessem a igualdade, a voz para todos. Não é assim que as coisas estão se estruturando. Não vejo em que isso vá se diferenciar das outras inovações, como a televisão e o cinema. É muito mais interessante ver a linha de continuidade que existe do que hiper valorizar a ruptura.” (p.204)
“Essa mesma tecnologia que veio para permitir que mais pessoas tivessem acesso ao espaço público estabeleceu também uma diferenciação vertical que antes não estava posta.” (p.205)
” O software é livre, mas alguma coisa ali tem um preço que precisa ser pago (por manutenção, atualização ou essa coisa que se fala de personalização). Então a lógica da remuneração do capital vai prevalecer e seguir o curso que as coisas vêm seguindo. O que eu quero dizer é: não é a tecnologia que muda a sociedade. Nunca foi. A sociedade, ou os movimentos sociais ou as relações sociais, é o que dão sentido social e histórico para a tecnologia, e não o contrário. ” (p.206)
“Se você não vai publicar um livro pela editora, você pode publicá-lo pela internet. Se você não vai ter um videoclip gravado por uma gravadora, você pode colocá-lo na internet. Isso cria os fenômenos instantâneos que a gente tem visto. Então é um pouco disso que eu estou falando. A televisão e o rádio, num período muito próximo, não vão mais depender desse tipo de tecnologia para o público que tiver acesso a esse tipo de serviço na rede. ” (p.209)
“. O Brasil vem acordando para o papel que o Estado precisa desempenhar aí, que tem a ver com universalização de acesso, com capacitação, com 211 educação num ambiente das chamadas novas mídias. Existe um atraso crônico no Brasil, que é a regulação do setor da mídia – e quando eu falo no setor da mídia, eu estou envolvendo a imprensa dos jornais, das redes de TV e também as chamadas novas mídias. O Brasil, estamos muito atrasados, porque nós não disciplinamos sequer a propriedade cruzada dos meios de comunicação, a concentração de propriedade, a concentração de audiência. E a finalidade dessa regulação é assegurar diversidade e pluralidade no debate público e, de outro lado, assegurar uma competição justa entre as empresas que exploram economicamente essas atividades.” (210 e 211)
” Mais classicamente, a gente poderia até dizer: a esfera pública se caracteriza por uma comunicação em torno de assuntos de interesse público. Isso é uma maneira bem restritiva de olhar o conceito, mas é válida. O mundo da vida não precisa passar por aí, obrigatoriamente, embora ele aflua para as esferas públicas. O mundo da vida pode se ocupar da criação de canário, dos filmes alemães da década de 1950, pode ser feito das pessoas que querem fazer a peregrinação de Santiago de Compostela. Tudo isso está acontecendo aí.” (p.212)
” Não houve uma refundação da humanidade ou das comunicações. Aliás, as tecnologias digitais e a internet não devem ser vistas pelo paradigma 213 dos meios de comunicação. Internet não é um meio de comunicação. Se ela pode ser análoga a qualquer coisa, ela é mais análoga à luz elétrica. A internet é uma conexão que produz um novo espaço ou propicia um novo espaço, desenvolve uma série de atividades que são muito maiores do que aquelas, e muito mais numerosas e variadas do que aquelas que nós normalmente chamamos de comunicação.” (p.212 e 213)